Resenha do livro "O que é o virtual?" - Pierre Lévy

O filósofo francês Pierre Lévy, professor da Universidade de Ottawa, no Canadá, é um dos mais importantes estudiosos dos efeitos das tecnologias de comunicação do mundo contemporâneo. Em seu livro “O que é o Virtual”, Lévy aborda as conseqüências que a virtualização gera na sociedade moderna.
Segundo Lévy, um movimento geral de virtualização afeta hoje, além da informação e comunicação, os corpos, a economia, os quadros coletivos da sensibilidade e o exercício da inteligência. Nesse sentido, a proposta deste livro é filosófico (o conceito de virtualização), antropológico (a relação entre o processo de hominização e a virtualização) e sócio-político (compreender a mutação contemporânea para poder atuar nela), sendo, portanto, uma cartografia do virtual.
No primeiro capítulo o autor define a virtualização desmistificando o atual e o virtual, a atualização, a virtualização, a velocidade e a relação espaço-tempo. Segundo Lévy, o virtual é um movimento que não se opõe ao real, mas sim ao atual, uma vez que o virtual já existe a partir de uma entidade, sendo a parte essencial de sua determinação, a sua potência (que a caracteriza ao invés do ato). O virtual tende a atualizar-se, sem passar à concretização efetiva ou formal, mas existe, é real. A atualização, segundo define o autor, é a criação, é a invenção de uma forma a partir de uma configuração dinâmica de forças e finalidades. Já a virtualização, conforme define Lévy, é um movimento inverso da atualização, é a passagem do atual ao virtual, sendo assim, não é uma desrealização, mas uma mutação de identidade, cuja consistência essencial é um campo problemático. Para o autor, a virtualização fluidifica as distinções instituídas, aumenta os graus de liberdade, cria um vazio motor, tornando-se um dos principais vetores da criação da realidade.
A virtualização tem como uma de suas principais modalidades, o desprendimento do aqui e agora, reinventando uma cultura nômade, fazendo surgir um meio de interações sociais onde as relações se reconfiguram de forma desterritorializada, ou seja, ocorre um desengate que os separa do espaço físico ou geográfico ordinários e da temporalidade do relógio e do calendário, embora não sejam totalmente independentes do espaço-tempo de referência. A sincronização substitui a unidade de lugar, e a interconexão, a unidade de tempo. Uma outra propriedade da virtualização é a velocidade, sendo esta o seu primeiro grau.
No segundo capítulo, o autor aborda a virtualização dos corpos como uma nova etapa na aventura da autocriação que sustenta nossa espécie, proporcionada pelos avanços tecnológicos na medicina, da indústria farmacêutica, na bioquímica industrial, nas biotecnologias, etc. É a reinvenção do ser humano. Assim como as possibilidades de reconstrução, mudam-se as formas de percepção – já que podemos, através dos artefatos tecnológicos, praticamente reviver a experiência sensorial de outras pessoas – e conseqüentemente de projeção, sendo esta uma função simétrica da percepção. A virtualização do corpo é uma reinvenção, é uma vetorização, uma heterogênese do humano. Contudo, há de se observar o limite entre a heterogênese e a alienação, a atualização e a reificação mercantil, a virtualização e a amputação, de modo a preservar a privacidade da vida pessoal, observando-se as leis da sociedade neste sentido.
No terceiro capítulo, o tema abordado é a virtualização do texto que, segundo o autor, é um objeto virtual independente de um suporte específico, devido à interpretação que lhe é dada pelo leitor, pelas suas atualizações pessoais, edições, traduções, versões, exemplares e cópias. Segundo Lévy, as passagens dos textos mantêm entre si virtualmente uma correspondência, que o próprio leitor atualiza independente das instruções do autor, criando, dessa forma, um hipertexto pessoal, já que estabelece relação com outros textos, outros discursos, as imagens, os afetos, dando-lhe um sentido e interpretação próprios. Apesar de estabelecer um link com o texto ou artigo de papel (cuja versão está integralmente manifesta), comparando-o com o hipertexto virtual, o autor destaca as diferenças do texto contemporâneo, desterritorializado, disponível no ciberespaço enumerando suas características e superioridade (já que dá acesso a outras maneiras de ler e compreender) em relação ao texto convencional: fluidez, dinamismo, brevidade, eficiência, possibilidade de interação, entre outras. Ainda que estabelecidas as diferenças entre o texto clássico e o texto virtual e deste destacada a superioridade, o autor enfatiza que não trata-se do fim do texto clássico, mas sim, da sua evolução.
No quarto capítulo, a virtualização da economia, o autor afirma que a economia contemporânea é uma economia da desterritorialização ou da virtualização, através e não apenas do arrancar-se do aqui e agora, mas igualmente da passagem ao público, ao anônimo, à possibilidade de partilha e de troca, dos bancos de dados on line, onde as finanças internacionais se desenvolvem em estreita simbiose com as redes e as tecnologias de suporte digital, que tendem a uma espécie de inteligência coletiva distribuída para a qual o dinheiro e a informação progressivamente se equivalem. De acordo com Lévy, além dos setores da virtualização propriamente dita como o turismo, as comunicações e as finanças, o conjunto das atividades depende hoje, a montante, dos bens econômicos muito particulares que são as informações e os conhecimentos, sendo estes, a principal fonte de produção e riqueza. Passou-se da aplicação dos saberes estáveis, à aprendizagem permanente, à navegação contínua no conhecimento, agora transformado em fluxo em que as pessoas são levadas a aprender, produzir e transmitir de maneira cooperativa em suas atividades cotidianas, transformando a força de trabalho em competência, em capacidade continuamente alimentada e melhorada para aprender e inovar, que relaciona-se com o virtual, uma vez que não se consome quando utilizada, mas se atualiza. No domínio do trabalho, a virtualização nos faz viver a passagem de uma economia das substancias a uma economia dos acontecimentos. O autor aborda ainda a virtualização do mercado, em que os papéis respectivos dos consumidores, dos produtores e dos intermediários se transformam profundamente dada a transparência e desterritorialização do cibermercado, oportunizando a oferta de serviços, variedade e acesso direto à informação, o que tende a fragilizar determinadas instituições e profissões caso não efetuem a migração de competências para a organização da inteligência coletiva e do auxílio à navegação.
No quinto capítulo, o autor analisa a hominização nos termos da teoria da virtualização: virtualização do presente imediato pela linguagem, dos atos físicos pela técnica e da violência pelo contrato. Sendo assim, a mutação contemporânea pode ser entendida como uma retomada da autocriação da humanidade.
No capítulo seis, Lévy apresenta as operações da virtualização referindo-se à linguagem, à técnica e à complexidade dos relacionamentos, estabelecendo a relação com os estágios que compõem a linguagem (gramática – dialética – retórica) uma vez que envolvem operações empregadas nos processos de virtualização e desembocam na invenção de novas idéias, reinventam o mundo, abrem mundos virtuais nos quais se elaboram novos fins, criando universos de significação.
Os capítulos sete e oito são complementares uma vez que, progressivamente, buscam justificar o objeto da virtualização, através da exploração da virtualização da inteligência, entrelaçando três temas para seu desenvolvimento: a parte coletiva da cognição e da afetividade pessoal, a questão do coletivo pensante e a inteligência coletiva como utopia técnico-política. Segundo Lévy, o pensamento do ser humano é histórico, datado e situado, uma vez que sofre influência das instituições, das línguas, dos sistemas de signos, das técnicas de comunicação, de representação e de registro, constituindo formas de inteligência coletiva, enriquecidas pelo desenvolvimento da comunicação assistida por computadores e das redes sociais planetárias. Lévy compara a evolução da inteligência coletiva à evolução das espécies, ou seja, progressiva e interativa: evolutiva; também faz um paralelo entre o psiquismo e o virtual: desterritorializado e desterritorializante, dinâmico, inventivo, interativo, carregado de valores. Ao mesmo tempo em que destaca a importância da inteligência coletiva para o desenvolvimento da sociedade, o autor pondera sobre a necessidade de coordenar as inteligências para que elas se multipliquem e se valorizem, ao invés de se anularem ou rebaixarem-se. O autor conclui o capítulo, definindo o objeto da virtualização: o próprio espaço virtual, o ciberespaço.
O nono capítulo recapitula os temas desenvolvidos no livro, aprofundando a subjetivação e objetivação como movimentos complementares da virtualização que se interfaceiam e se envolvem reciprocamente.
O livro "O que é o Virtual" desenvolve, ao longo de seu texto, argumentos que comprovam o estágio virtual que estamos vivendo, explicitando a sua importância no e para o desenvolvimento da sociedade contemporânea, propondo a criação de um projeto de civilização centrado sobre os coletivos inteligentes, cujo objeto catalisador é o ciberespaço com suas memórias compartilhadas e hipertextos comunitários. Concluindo, o livro é um convite à reflexão quanto aos impactos do virtual na sociedade e, sobretudo, um convite à inserção definitiva ao mundo virtual como necessidade estruturante para vivermos de forma produtiva os (novos) atuais tempos.
Indico este livro ao público geral, a todos àqueles que desejam entender a virtualidade dos novos tempos para sua auto-inclusão na sociedade atual, de modo a formar coletivos inteligentes. Para os profissionais de educação, considero a leitura imprescindível.
Resenha construída pela pós-graduanda Fátima Falci Ferreira do curso de especialização Tecnologia e Novas Educações – UFBA – agosto/2010.

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